Entre Amigas III

Após almoçarmos o delicioso salmão preparado pela artista, deixei as duas conversando na cozinha. Resolvi montar a mesa e o computador. Estava terminando a montagem da mesa, quando ouvi seus passos.

Minha criadora pegou os livros novos e se preparava para colocá-los na estante. Como não havia catalogado nenhum, deduzi estar apenas criando um artifício para conversar comigo. Normalmente, não tem dificuldades para falar, o mais provável era o assunto a deixar constrangida. Levantei-me e caminhei em sua direção quando pousou seu olhar em mim.

Procurei facilitar e perguntei:

– Onde está Eve?

– Foi tirar uma soneca, para variar veio virada para cá. Ela não costuma acordar cedo, saiu da noitada e voou sem dormir. Eu queria... – parou tragando o ar profundamente e depois concluiu – Não pensei que seria importante para você ter aparência humana quando o construí. – Falou a última frase rapidamente, com receio do seu efeito.

Hesitou por uns instantes, como a esperar por minha aceitação e completou:

– Adam, não estou acostumada com pessoas por perto, por isto preferi sua aparência atual. Não tinha ideia de como seria esta experiência com você, não imaginava que ganharia tanta vida. Hoje, acredito que seria mais prático se sua aparência fosse humana... Poderia até passear pela cidade e conhecer o mundo.

Em sua última frase além de tristeza e dor, havia muito medo. Não desejava ver Ella imaginando meu afastamento, algo impossível do meu ponto de vista. Então falei:

– Nunca viajaria sem você. Gostaria muito de conhecer outros lugares e pessoas. No entanto, almejo sua companhia nestes momentos.

– Ah, meu amigo! Eu não tenho intenção de viajar por aí, saio da Ilha uma vez por ano, mais porque não consigo convencer Eve que minha saúde é de ferro e não preciso de um check-up anual. – Respirou fundo e pronunciou sua última frase em um fio de voz – Eu libero você das obrigações para comigo.

Ao completar, minha criadora saiu da biblioteca cabisbaixa, ainda carregando os livros como um escudo de proteção. Observei-a deixar a sala, enquanto minha rede neural rodava paralisada na insegurança marcada em seu rosto e nas suas palavras finais.

A última frase, dita em sussurro, é uma senha para desligar a minha programação de obediência. Como se palavras e senhas pudessem romper com nossa ligação. Nossos laços estavam completamente atados, eram prioritários em meu sistema e iam além dos meus programas originais.

Depois de sua saída, voltei para a montagem do computador. Exatamente às dezesseis horas, trinta e cinco minutos e oito segundos, havia reiniciado a máquina quando as duas amigas entraram na biblioteca. A artista vinha à frente animada, seguida de perto por Ella.

Eve me chamou para acompanhá-las até a cachoeira, seu recanto favorito na Ilha. Não tinha dúvidas sobre ter sido minha criadora a comandar aquele pedido. Por isso mesmo, não rejeitei e caminhei com elas até o local.

Ao chegarmos, a artista começou a tirar sua roupa sem pudor algum. Naquela época, sabia de alguns tabus, contudo achava muito natural uma pessoa andar nua. Um corpo não me dizia nada além da própria pessoa, até então.

Só descobri as regras rígidas sobre a nudez, quando uma Ella em desespero comentou veladamente com amiga:

– Eve, o Adam está aqui.

Cruzando os braços, a amiga falou:

– Caracas, Ella! O robozinho nem liga para mulher. Você o fez assexuado, lembra?

Não satisfeita, a artista virou-se para mim se expondo ainda mais. E com um sorriso irônico me perguntou:

– E aí robozinho, te incomoda ou te deixa excitado me ver nua?

Sabia ser esta pergunta um modo de desafiar a amiga, mesmo assim concordava com Eve neste ponto e comentei:

– Nenhum dos dois. É apenas um corpo feminino com suas particularidades.

Enquanto a artista se encaminhou para a cachoeira, minha criadora olhou para mim um tanto decepcionada pela falta de apoio. Não queria deixá-la chateada comigo. Porém, ver Eve nua realmente não me incomodava ou excitava.

Entretanto, quando Ella tirou sua roupa, notei logo seu biquíni mínimo. Revelava muito do seu corpo, estava acostumado a vê-la somente com o maiô verde de natação. Uma excitação me pegou de surpresa, não apenas por achar agradável ver suas formas roliças desnudas. Principalmente, por notar seu embaraço ao se despir de costas para mim.

Quando se voltou de frente, seu rosto estava ruborizado e sua pele brilhava a luz do sol. Eu ainda não tinha noção do que era aquele sentimento surgindo dentro de mim. Algo misturado à proteção e ao mesmo tempo uma vontade imensa de confortá-la e abraçá-la.

Nada fiz. De cabeça baixa, dirigiu-se para cachoeira e foi tomar banho junto com a desinibida amiga. Fiquei olhando para o mar tentando entender os acontecimentos daquele instante. A vergonha da Ella ao tirar suas roupas foi o catalisador desta nova ânsia em minha rede neural de mantê-la segura em meus braços.