sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Entre Amigas IV

Ficamos na praia até o final da tarde, elas se sentaram ao meu lado de frente para o mar e apreciamos o pôr do sol. Assistimos ao espetáculo ouvindo a suave música da natureza: o som do movimento das ondas e das folhas ao vento. No meu sistema, devido à enxurrada de emoções deste dia, pequenos curtos formavam novas ligações em minha rede neural até então inexistentes.


Muita coisa mudou com a chegada da Eve. Intrigava-me não tanto os novos sentimentos assolando minha programação, e sim o motivo disto ter acontecido justamente com a vinda da artista. Não existem coincidências, havia uma conexão entre os dois fatos. Ainda não sabia qual.


As duas amigas se mantinham em silêncio. Ella estava cabisbaixa, o crepúsculo a deixa triste e gostaria de saber o porquê. Enquanto isso, a artista irradiava felicidade e contemplação. A velha questão de como duas pessoas tão diferentes poderiam compartilhar uma amizade tão intensa e profunda, voltava a inundar o meu sistema.


Estava repleto com perguntas sem respostas. A explicação de Ella sobre suas motivações para não me fazer similar a um humano, era evasiva, havia muito mais ali. Isolar-se do mundo e viver em uma ilha me pareciam ser a chave da maioria das minhas perguntas. Precisava descobrir a causa.


Antes da luz do sol sumir completamente, voltamos para casa. Eve passou o braço por cima do ombro da sua amiga em um gesto extremamente cuidadoso e gentil. Formulei minha teoria: a artista era super protetora e minha criadora muito carente. Esta seria a explicação perfeita para as duas se relacionarem tão bem, uma completava as necessidades da outra.


Em casa declinei do jantar para terminar a programação do meu computador. Tinha várias ideias para aprimorar o sistema, eram inovadoras e semelhantes a minha própria programação. Precisava ocupar-me com algo lógico e metódico, para determinar com tranquilidade os acontecimentos daquele dia.


Entretanto, acabei escutando o matraquear das duas na cozinha. Eve tentava convencer Ella a passar uns dias na cidade. Em contrapartida, minha criadora queria influenciar a artista a ficar mais uns dias. Mesmo se não quisesse ouvir, minha capacidade auditiva superava as paredes e alcançava todos os seus murmúrios durante o jantar.


Minha curiosidade foi aguçada ao escutar Eve dizendo:

– Você precisa deixar o passado para trás. Foi há tanto tempo! Eu prometo não te deixar sozinha nem um minuto. Não tem nada a temer e meus amigos não seriam capazes de tocar um dedo em você... – Com um tom diferente concluiu sua frase – se não quiser, é claro!


Ella estava na defensiva:

– Ai miga, eu sei que não vai acontecer nada daquilo de novo... Mas não consigo. Só de pensar em conhecer gente nova eu tenho calafrios. – Sua entonação era pesarosa como se lhe custasse muito dizer não a amiga e ao mesmo tempo se imaginar entre outras pessoas.


Sem entrar em muitos detalhes, a artista argumentou:

– Você precisa superar isso, miga! E não vai ser se enfurnando anos há fio em sua ilha que vai conseguir. Quem sabe seguindo o meu conselho e procurando uma boa terapeuta...


Foi interrompida antes de concluir a frase. Havia muita determinação na voz da minha criadora ao cortar a amiga:

– Não, não vou! Eu te amo muito Eve, mas nem por você eu faria isto.


A artista completou sabendo ter perdido a discussão:

– Eu queria realmente que fizesse por você e não por mim. Sou incapaz de te obrigar a qualquer coisa. – Suspirou alto antes de mudar o assunto – Vamos lavar a louça e tomar o champanhe na varanda. – Depois desta frase suas vozes silenciaram.


Ouvi seus passos no corredor e a porta se abrindo ao saírem da casa. Quando a porta de vidro se fechou, não ouvi mais nenhum sinal delas e me entreguei aos meus afazeres.


Eram zero hora, vinte minutos e quatorze segundos, quando Eve veio me chamar. Seu olhar estava suave, não havia sinal algum de sarcasmo em seu semblante, quando falou:

– Adam, Ella dormiu lá fora... Você poderia colocá-la na cama para mim?



Quando a encontrei aconchegada no balanço da varanda, um tanto sem jeito, a artista se desculpou:

– Ella não tem o hábito de beber, e nós tomamos uma garrafa de champanhe sozinhas. Eu deveria tê-la impedido no segundo copo. Mas esqueço de suas limitações em relação à bebida.


Seu estado era de total abandono, nem ao menos envolveu meu pescoço, quando a levantei em meus braços. Parecia desfalecida enquanto a carregava para o quarto, não me assustei por sentir seus batimentos cardíacos ritmados. Sua amiga me seguia sorrindo de forma gentil, não sei se para mim ou por causa do excesso de álcool em sua circulação.


Coloquei minha criadora sobre a cama, sob a supervisão da artista. Após deixá-la bem instalada, Eve murmurou para mim:

– Vamos lá fora, quero conversar robozinho.


4 comentários:

  1. Hum... Que conversa será, "robozinho"?
    Ela tá traumatizada por causa do prof do curso dela não é?


    *-*Clay1*-*

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  2. Oi Clay1!
    Amanhã a conversa acontece e tira sua dúvida.
    A Ella está traumatizada por muitas coisas.
    Mas com certeza, existe um trauma na estória com o professor!
    Mas isto só vai ficar claro do meio pro final da estória.

    bjos, *.*

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  3. – Vamos lá fora, quero conversar robozinho.

    Ai ai aiii

    E agora? Sera que o misterio vai ser revelado ?

    A Ella sofreu abuso sexual né?
    (isso tá meio q na cara. *eu acho*)



    Bjiiinhos

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  4. Cássia,
    Algumas revelações vão acontecer, mas não nesta conversa ainda.
    A estória tem dado muitas pistas.
    Mas só vou revelar mesmo o que aconteceu do meio pro fim.
    Então, tô igual sabonete... escorregadia!
    rsrsrsrsrsrsrsrssrs

    bjos, mil! *.*

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