quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Mudanças I

Quando nos aproximamos de casa, a máquina voadora ocupava o seu espaço de sempre na areia. Ao passarmos por ela, vislumbramos a artista segurando uma bolsa grande em seu ombro direito e subindo as escadas. Ella galgou os degraus apressada, estava preocupada com a amiga.


Alcançamos Eve na varanda e a minha criadora nem a cumprimentou antes de interrogar:

– O que houve? Porque veio hoje? Você não viria apenas depois de amanhã?


Nossa amiga não respondeu nenhuma de suas perguntas, olhou para mim e disse:

– Tá vendo robozinho? Precisa ensinar boas maneiras à sua namorada. Com estes modos, Ella não vai ser bem recebida em lugar algum no continente.


Após ironizar a preocupação da amiga, a abraçou com saudades dizendo:

– Não te vejo há um mês sua desnaturada! Mereço ao menos um abraço decente.

Em seguida me deu um beijo carinhoso no rosto. A artista prezava muito as demonstrações de afeto entre nós.


Depois das saudações, finalmente respondeu:

– Vim antes por causa da chatice que é transportar minhas obras de um país para o outro, conto tudo depois, preciso de um banho bem quente. – Fez uma pausa suspirando e explicou – Ao receber a notícia, peguei uma muda de roupa e entrei no helicóptero, torcendo para chegar antes do crepúsculo. É que amanhã preciso pegar um avião para Londres, à uma da tarde.


Nossa amiga caminhou em direção a porta e antes de se retirar, comentou:

– Nem almocei hoje! – Sua frase lançada com descaso refletia seu desejo por encontrar o jantar pronto ao sair do banheiro.


Olhei para a minha namorada e falei:

– Porque não toma o seu banho também, sei o quanto a areia grudada no corpo a incomoda. Eu faço um espaguete para a Eve, é rápido. Quer também?


Sua apreciação por minha lembrança ficou clara a seguir:

– Está sempre um passo a minha frente, não poderia pedir um namorado melhor! – Lançou um sorriso cativante antes de concluir – A gente exagerou no piquenique, estou sem fome. Faz só para ela.


Enquanto eu terminava de preparar o molho, as duas se sentaram à mesa, estavam vestidas com seus trajes de dormir. A artista deveria estar muito cansada para se vestir assim às oito da noite. Sempre reclamou da luz do poente a incomodar durante o voo, deve ter sido difícil pilotar sob estas condições.


Servi Eve, me sentei, esperei por trinta segundos e perguntei curioso:

– Qual foi a “chatice”?


– Ah! Uma das minhas obras não chegou à galeria em Roma. Heidi foi para lá, cuidar desta parte. O Alessandro é um grande amigo e dono da galeria em Londres, embalou as obras e as enviou, me garantiu ter cuidado de tudo pessoalmente. Confio nele, mas não na alfândega, vou averiguar tudo direitinho. Devo ficar uns dias por lá, por isso precisava pegar vocês antes.


A mulher amada comentou:

– Isso não aconteceu quando mandou suas obras para New York ano passado?


– É, e descobri que um imbecil pagou alguém na alfândega para surrupiar uma das minhas obras. Um colecionador milionário, sua desculpa era não estarem à venda. Mas resolvi tudo acionando minha seguradora. O imbecil pagou uma soma altíssima de indenização e devolveu a obra. O agente alfandegário foi parar na prisão.


Olhando para mim, a artista falou:

– Bem, não quero atrapalhar o romance de ninguém. Só preciso de um lençol e travesseiro para dormir no escritório. Sabe onde encontro, Adam?


Dois segundos antes, Ella sorria para mim, ao ouvir a amiga, ruborizou rapidamente. Independente dos nossos assuntos inacabados, não era justo eu ficar na cama com a minha namorada, enquanto nossa amiga dormia no sofá.


Pensando no seu bem-estar, declarei:

– Não, você precisa descansar hoje, vai passar a noite na cama. Amanhã terá um dia cansativo, pilotando de manhã e fazendo uma viagem de avião à tarde. Com você do lado, Ella não terá pesadelos e eu só necessito recarregar minha energia amanhã cedo, antes de partirmos.


Minha criadora reiterou minha fala:

– Adam tem razão, deve dormir na cama comigo. – Virou para mim e disse – Ao acordar eu termino de arrumar nossas malas e poderemos sair assim que você concluir sua recarga. – Pensei em me oferecer para organizar tudo de madrugada, todavia iria incomodar o repouso das duas e desisti.


Elas se recolheram às nove horas, cinquenta e três minutos e vinte segundos. Uma proeza para Eve, contudo, era algo muito comum para Ella. Fiquei observando a mulher amada dormir ainda por uma hora, vinte e dois minutos e trinta e três segundos. Desejava certificar-me sobre o seu repouso tranquilo, e saí apenas ao ouvir seu ressonar suave.


Passei a noite lendo uma série de livros, o mundo da magia e fantasia abordado na história garantiu cinco horas, vinte e dois minutos e três segundos muito agradáveis. Cuidei das plantas, para evitar maiores estragos durante nossa ausência. Ao amanhecer, fui até as rochas na praia e recarreguei minha energia com a luz do sol.


Quando terminei, as duas me esperavam próximas ao helicóptero e nossas malas feitas, junto a ele. Eu ainda precisava trocar de roupa para sair da Ilha. Havia uma expectativa dentro de mim quanto a isso. Algo inesperado, uma ansiedade pela novidade, um desejo de conhecer outras pessoas e outros horizontes.


Subi e me troquei em dois minutos e treze segundos, uma das duas havia deixado uma muda de roupa para mim em cima da cama. Quando desci as avistei dentro da cabine, me esperando. Enquanto me encaminhava até elas, não paravam de tagarelar, estavam animadas com a viagem.


Em cinco minutos e quinze segundos, estávamos prontos para partir. Eve era uma excelente piloto, não senti qualquer trepidação durante a decolagem, com exceção da esperada pelo movimento das hélices. Em pouco tempo estávamos sobrevoando a Ilha, nossa casa ficava cada vez mais distante. E o continente esperava por nós ao leste.


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