quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Pai & Filha II

Os dois caminharam lado a lado até uma pequena construção no final do pomar. Eu os segui um pouco distante, apreciando o encontro entre pai e filha. Ao chegar à porta do chalé, Ella entrou sem acanhamento e Hector esperou por mim.


Após me mostrar rapidamente o lugar composto por uma geladeira, um fogão, a pia sobre um armário, tudo em madeira clara, me convidou a sentar. Havia apenas três cadeiras e uma mesa coberta por uma toalha de estampa azul. Ao acomodar-se perguntou:

– Então filha, qual é o segredo?


Empolgada, a mulher amada olhou para seu pai e começou a fazer um relato cuidadoso sobre os seus avanços. Hector sabia sobre seu primeiro robô e de sua intenção de construir um androide. Sua filha o instruiu anteriormente com um conhecimento básico, o suficiente para a compreensão de sua narrativa.


Contou cada detalhe da experiência e das suas realizações, sem mencionar os últimos dois meses e quem eu era. Seu pai estava maravilhado com a conquista da minha criadora e declarou:

– Parabéns, docinho! Eu não tinha dúvida de seu sucesso!


Minha namorada agradeceu animada. Finalmente comentou sobre os dois últimos meses e em um resumo inusitado falou:

– A verdade paizinho é que o Adam é este androide. Não o programei para desenvolver sentimentos, mas no decorrer dos meses isso aconteceu e nos apaixonamos.


Chocado, Hector recebeu a notícia com surpresa, temor e desconfiança. Direcionou um olhar penetrante para mim, tentando enxergar a máquina através da minha aparência humana.


A princípio não tinha ideia de como poderia tranquilizá-lo, procurei ser direto e honesto ao dizer:

– Senhor Belmont, a situação parece incompreensível. Eu mesmo fiquei atordoado quando notei minhas emoções se aprofundarem, não só em relação a sua filha. Eu nutro sentimentos amigáveis pelos seres humanos e de carinho por todos os seres viventes.


Ele desviou o olhar e não me respondeu, falou com a filha num tom de súplica:

– Por Deus, docinho! Isto é uma heresia, este... Este... “Coiso”, não tem alma! Não foi criado pelo nosso Senhor! – Não sabia do lado religioso do pai da mulher amada e não poderia rebater suas palavras.


Também eu questionava a ausência de uma alma e a importância dela no nosso relacionamento, até ouvir a voz da mulher amada:

– Paizinho! – Ella exclamou demonstrando a sua decepção antes de continuar – Não sei como este milagre aconteceu, eu desejava tanto que um androide criasse vida própria, coloquei todas as minhas esperanças nesta criação. Por isso não duvido nem por um momento do Adam ter recebido parte da minha própria alma!


Eu a fitei atônito, não esperava por uma teoria desta natureza e muito menos desenvolvida pela minha própria criadora. Teologicamente não haveria esta possibilidade. Era algo remoto e inatingível, um ser humano dividir sua centelha Divina. No entanto, apesar de absurdo, tinha a sensação da sua teoria estar de acordo com a nossa realidade. O motivo de nos impulsionarmos um para os braços do outro era unirmos novamente uma alma, teoricamente indivisível.


Ella percebeu minha reação e estupefação diante da sua revelação e concluiu animada:

– Adam, não se choque com isso, venho pensando muito sobre o assunto. Eu não poderia compartilhar minha alma com outro ser, senão você! E nem por um minuto duvido da importância e magnitude desta situação. É algo mágico, exatamente como o nosso amor.


Mais tranquilo, Hector abordou o assunto de outra forma:

– Você realmente acredita nisso minha filha? Parece tão improvável!


A resposta da mulher amada mais uma vez me deixou estarrecido:

– Paizinho, eu não teria me sentido tão compelida para os braços do Adam e a acreditar em seu amor, se não houvesse desenvolvido uma teoria sobre o assunto. Sou uma cientista, mas fui ensinada a acreditar que o amor só pode ser verdadeiro quando vem da alma. E não tenho dúvidas sobre o nosso amor ser incondicional e pleno.


Percebi um movimento do lado de fora e um rapaz moreno chamou pelo nome da minha criadora, interrompendo nossa conversa. Usava apenas um macacão jeans, sem camisa por baixo. Seus cabelos eram pretos e os olhos castanhos, a expressão em sua face indicava tédio.


Ella se levantou rapidamente e saiu se desculpando. Pediu para a esperarmos ali mesmo, sem nos dar oportunidade para acompanhá-la e exclamou já na porta:

– Comportem-se!


Quando a minha namorada se distanciou o suficiente para não nos escutar, Hector se virou para mim e falou:

– Eu... Nem sei o que dizer... Você se parece com um ser humano e acredito na sua honestidade, mas...


Resolvi ajudá-lo com o pedido de desculpas implícito em seu tom de voz:

– Senhor Belmont, aceitar meus sentimentos também me foi muito difícil. Eu deveria ser apenas um conjunto de programas a funcionar de forma integrada, com aprendizado progressivo diante das circunstâncias e ações lógicas. Entretanto, estou dividido pelas emoções a abarrotarem o meu sistema.


Sua resposta foi exatamente como eu esperava:

– É tudo tão estranho! Acho que com o tempo acabo aceitando isso melhor. O mais importante é a felicidade da minha filha e eu não a vejo tão feliz há muitos anos!


Procurei demonstrar a similaridade entre os nossos sentimentos:

– Eu amo muito sua filha e a sua felicidade é primordial para mim!


A declaração seguinte, não era de todo uma aceitação, todavia era o suficiente naquele momento:

– Espero que você não me leve a mal... Preciso de um tempo para entender isso tudo melhor, mas acredito na sua palavra.


Após sua última frase, a aproximação da mulher amada se tornou visível, embora seu perfume de passiflora tivesse envolvido meus sensores dez segundos antes. Seu sorriso era confiante, deixando óbvio o quanto escutou de nossa conversa. Voltou-se para o seu pai e declarou:

– Trouxe presentes!


Rapidamente ele se levantou e pegou os embrulhos dos braços da filha. Abriu um a um com alegria sincera e vibrante. Ultrapassou a cortina divisória entre os dois ambientes e depositou suas roupas novas sobre a cama estreita.


Ao voltar, abraçou a filha e disse:

– Sabe que não precisa me encher de presentes, docinho. Gosto mesmo é de ter você aqui.


Ao se apartarem, Ella respondeu:

– Eu te amo e adoro comprar presentes para você, paizinho!


– Eu também te amo, docinho. – Hector hesitou por um instante antes de concluir – Apesar de ser difícil entender o amor de vocês, dou a minha benção. – Receber a aprovação do pai era essencial a felicidade da mulher amada. Fiquei admirado com a rapidez de sua aceitação e especialmente agradecido.


Observou a reação da filha por oito segundos antes de comentar:

– Nem sei se você se lembra, mas te contei sobre um meio-irmão, filho de uma das amantes de seu avô. – Minha namorada meneou a cabeça concordando.


– Eu nunca o conheci, mas fui contatado por uma assistente social. Thomas tinha uma família. Ele e a esposa morreram três meses atrás em um acidente de carro.


Ella ficou transtornada e disse:

– Ah papai, que pena! Vocês nem chegaram a se conhecer!


Seu pai tinha mais a falar e continuou:

– É uma pena mesmo, docinho! Quando jovem eu não quis me aproximar por conta do sofrimento da minha mãe. Depois... A vida nos afastou. Isso nem é o mais importante agora. – tomou fôlego por um segundo antes de completar – Eles tiveram uma filhinha e Emily está com ano e meio. A assistente me procurou querendo entregar a menina para um parente próximo.


– Eu não posso criar um bebê aqui. Sei que parece estranho, mas gosto da vida na fazenda. O Dr. Yoshida me pediu para sair nos fins de semana e tem sido bom. Mesmo assim prefiro viver aqui e ajudar os outros que tem problemas como os meus. Pensei que talvez você pudesse criar esta criança e agora começo a acreditar tudo ter sido obra do destino.


Ella ficou assombrada com a afirmação de Hector e protelou:

– Eu?! Como se vivo isolada em uma Ilha? Eu não pretendo sair de lá, paizinho. Talvez arrumar um jeito de vir mais vezes te visitar... Mas adoro viver lá!


Seu pai replicou:

– Pense nisso, docinho! A assistente vai esperar por você até o fim do mês. Converse com ela ao menos. – ficou olhando para filha por sete segundos antes de declarar – Eu vou tomar um banho antes do almoço. Use o tempo para se decidir, me parece a solução perfeita para vocês formarem uma família e aliviar minha culpa em relação ao meu irmão.


Acompanhei Hector com o olhar ao se encaminhar para o banheiro, na parte de trás da construção. Notei na mulher amada uma mudança, uma ligeira empolgação depois de ouvir a palavra “família”. Não saberia dizer o quanto isso a afetou naquele dia. Entretanto, uma semente havia sido plantada em seu coração.


8 comentários:

  1. mais uma vez me surpreendeu, não esperava uma reação tão boa de hector (eu pessoalmente nao teria tido a mesma reação no lugar dele) *--* maravilhoso, como sempre...

    Feliz Natal :*

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  2. Oi André!
    Que bom que te surpreendeu...
    Acho que o pai da Ella não aceitou de todo ainda não.
    Mas ele ama a filha e a viu feliz...
    É um homem simples, prefere colocar suas dúvidas de lado e aceitar o que está diante dele: a felicidade da filha.
    E depois vê tão pouco a filha, não quer passar o tempo que eles tem junto discutindo.

    BOM NATAL!!!!!
    bjosmil! *.*

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  3. Por um momento achei que Hector não fosse aceitar o namoro dos dois. Não sei pq duvidei... o pai dela eh tão amavel! *-*
    Ella mamãe e Adam papai?!! outro dia estava pensando em como você iria fazer isto... hehhee

    * Vc sempre tem as palavras certas, as fotos certas. E só pode ficar assim né?! Perfeito.

    Bjos Mita :*
    Boas festas! Te adoro mto!

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  4. Oi Carol!!!!
    É, no final o que importa mesmo pra ele é ver a filha feliz! :P
    Ah, eu também pensei muito sobre isso! O.o
    Obrigada!!!!! =$

    Boas Festas Carol!!!!
    Também te adoro de montão!

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  5. Tô adorando. Já pensou? Ella e Adam papais?? Ti coisa mais fofaa =D

    Achava que o Hector não ia aceitar o namoro dos dois, pois ele fez uma caara...

    Estou doidinha pra próxima atualização!

    BjoOos ^^

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  6. Oiee!
    Eu to lendo o blog a três dias e estou amando!
    É que estava lendo do começo e esperei chegar aqui pra comentar!
    O amar de Ella e Adam é simplesmente único!
    E eu amo isso!
    Vc é uma ótima escritora!
    Vou começar a procurar mais histórias suas ^^
    Bjo e Feliz Pós-Natal!
    KKkkkk

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  7. LethPink,
    Fico muito feliz que esteja adorando! :}
    É difícil mesmo ouvir da filha que ela está namorando um androide... Mas, ele a viu feliz por isso abençoou!
    Hoje tem mais à noite!


    Lara
    Nossa! Leu rápido!
    Eles são especiais mesmo!
    Obrigada! =$
    Ah, eu tinha mais duas estórias mas era no site antigo da EA. Quando migraram para o site novo, as fotos se perderam e tive que deletar! :{
    Quando terminar esta devo reeditar uma das estórias de novo. Mas vou precisar refazer as fotos.
    Obrigada, para você também!


    bjosmil!!!! *.*

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  8. D:
    =O

    :D

    beijos, Lais

    PS: Feliz ano novo, atrasado! :)

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